quarta-feira, 13 de julho de 2011

A ditadura




Verão de 1974. Viviámos ainda debaixo dos ventos tempestuosos da ditadura militar e certas coisas não podíamos fazer. No máximo podíamos pensar. Havia uma espécie de pressentimento no ar. Uma expressão estranha no semblante de todas as pessoas revelava a opressão e o temor dominantes na vida das pessoas do lugar. Algo ruim estava acontecendo. A liberdade, me parecia, perdera o seu brilho.
As conversas antes esfuziantes e alegres pelas esquinas e pelas ruas tornaram-se em mímicas silenciosas, quase sussurradas pelos becos e vielas da pequenina cidade onde eu crescia. Todos temiam algo que não sabíamos exatamente o que era.
Eu era apenas um adolescente, e como todos da minha geração, privado do direito a informação e ao conhecimento. Alienação é a palavra que cabe aqui. Um crime contra a dignidade humana. Não fossem os geraldos vandrés da vida, os caetanos, chicos e tantos outros heróis anônimos, tantos presos ou exilados, outros tantos mortos nos tempos da ditadura, o vazio e as marcas em minha vida seriam de proporções catastróficas. É como se eu tivesse queimado etapas ou saltado os degraus que constroem a alma e a escada da maturidade. Bem, não seria a primeira vez que as circunstâncias da vida conspiraravam contra mim.
Um rio belo e sinuoso entrecortava a vida de todos na cidadezinha. Um cheiro forte pairava no ar, típico da fábrica de papel instalada do outro lado do rio. Trabalhei lá como office-boy nesse ano. O bondinho era uma gostosa aventura diária pela manhã e ao entardecer.

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